Para começar, é fundamental definir o que é comportamento motor. Esta é uma vasta área de estudo que abrange as mudanças no controle dos movimentos, mediadas pelo aprendizado e desenvolvimento motor. O comportamento motor pode ser subdividido em três subáreas principais: a aprendizagem motora, o controle motor e o desenvolvimento motor.
A aprendizagem motora refere-se às mudanças relativamente permanentes no comportamento motor como resultado da prática ou experiência (SCHMIDT; WRISBERG, 2010; HAYWOOD; GETCHELL, 2010). O controle motor está relacionado aos aspectos neurais, físicos e comportamentais do movimento (HAYWOOD; GETCHELL, 2010), enquanto o desenvolvimento motor envolve as mudanças no comportamento motor ao longo da vida (TANI et al., 2010). Essas três subáreas são influenciadas por três fatores principais: o indivíduo, o ambiente e a tarefa, que interagem entre si. Vamos explorar esses fatores mais detalhadamente a seguir.
Restrições do indivíduo, do ambiente e da tarefa
O comportamento motor, abrangendo a aprendizagem, o controle e o desenvolvimento motor, é influenciado constantemente por três fatores principais: o indivíduo, o ambiente e a tarefa. Para que uma habilidade seja aprendida, adquirindo-se o controle motor, e uma pessoa se desenvolva, é essencial considerar os fatores relacionados a quem está aprendendo, o que será aprendido e onde esse aprendizado ocorrerá. Para explicar melhor esse fenômeno, Karl Newell (1986) criou um modelo de restrições chamado Modelo de Newell.
Esse modelo descreve a interação entre o indivíduo que realiza a ação, o ambiente em que o movimento ocorre e a tarefa a ser executada. Qualquer mudança em um desses fatores resulta em uma modificação no movimento final. Por exemplo, sua marcha é diferente na areia comparada ao chão molhado (ambientes diferentes). A marcha de um idoso é distinta da sua (indivíduos diferentes). Além disso, uma pessoa anda de forma diferente ao usar salto alto em comparação ao usar tênis (tarefas diferentes).
Embora Newell utilize a palavra “restrição”, que pode sugerir algo limitador, nesse contexto, a restrição também pode ser algo que encoraja ou facilita o movimento. Assim, a restrição pode tanto limitar e desencorajar quanto permitir e incentivar o movimento. As restrições do indivíduo são consideradas características físicas e mentais únicas de quem está aprendendo. Elas podem ser estruturais, relacionadas à estrutura corporal do aprendiz (massa corporal, estatura, comprimento das pernas), ou funcionais, ligadas a aspectos comportamentais (motivação, foco de atenção, medo). As restrições do ambiente são aquelas relacionadas ao contexto em que o movimento ocorre (temperatura, luz, umidade, tipos de superfícies, ambiente sociocultural). As restrições da tarefa referem-se às metas do movimento, às regras ou aos equipamentos utilizados (tamanho da bola, altura da cesta de basquete).
Para que a aprendizagem de novas habilidades seja eficaz, o sucesso dependerá das características físicas e mentais do indivíduo, do ambiente em que a habilidade está sendo ensinada e da tarefa em si. Por exemplo, um bebê aprendendo a andar precisa ter maturidade física suficiente (restrição do indivíduo), estar em um ambiente seguro e encorajador (local amplo, sem perigos, com incentivo dos pais) e usar calçados adequados ou estar descalço.
Diferenças individuais
Por que algumas crianças aprendem uma habilidade motora mais rapidamente do que outras? Por que algumas crianças, mesmo sendo da mesma idade e treinando no mesmo local pelo mesmo período, são melhores que outras?
A resposta para essas perguntas reside nas diferenças individuais.
Cada ser humano é único e é influenciado pelo ambiente em que vive. Mesmo gêmeos idênticos, que compartilham o mesmo DNA, apresentam comportamentos e personalidades distintas. Diversos fatores contribuem para essas diferenças entre os indivíduos e, consequentemente, para o processo de aprendizagem. Esses fatores incluem:
- Capacidades motoras: são as características que funcionais de uma habilidade motora como a força, a flexibilidade, a aptidão cardiorrespiratória. Mesmo duas crianças tendo a mesma idade, suas capacidades motoras podem ser diferentes, uma pode ser mais forte que a outra e a outra ter mais resistência aeróbia que a primeira.
- Tipo corporal: pessoas mais baixas tem mais dificuldade de jogar vôlei devido a altura da rede. Já pessoas com pernas mais longas têm mais facilidade em fazer corridas com obstáculos. E, pessoas mais leves tem mais facilidade de fazer movimentos de saltos, pois a massa que irá deslocar é menor.
- Background cultural: algumas crenças determinadas culturalmente e socialmente como a participação das mulheres em alguns esportes ou a permissão para a prática devido a religião pode influenciar a aprendizagem.
- Nível emocional e motivacional: Uma pessoa mais alegre e disposta aprende com mais facilidade, assim como as pessoas mais motivadas.
- Nível de aptidão física: a força, a flexibilidade e a resistência cardiorrespiratória irão influenciar a realização de algumas tarefas, uma vez que quem está melhor condicionado sairá melhor do que quem não está.
- Experiências prévias de movimento: se a pessoa já teve experiência com o movimento ou com algum movimento mais parecido, pode ser mais fácil a aprendizagem.
- Nível maturacional: a habilidade a ser aprendida deve estar de acordo com o processo maturacional. Uma criança de um ano não consegue correr sem antes ter aprendido a andar. Assim, como crianças de 3 anos não aprendem um movimento mais complexo como a bandeja do basquetebol.
- Estilo de aprendizagem: algumas pessoas têm mais facilidade de aprender um movimento quando veem alguém fazendo, outras se escutam as instruções e outras se realizarem o movimento.
Assim, o processo de aprendizagem é único para cada indivíduo, uma vez que ele sofre influência de diversos fatores. É importante durante o ensino de habilidade e na elaboração das aulas olhar cada aluno como um ser diferente e estruturar a aula de maneira diversificada na tentativa de abarcar a todos.
Capacidades motoras e habilidades motoras
Já mencionamos várias vezes os termos “capacidades” e “habilidades”. Muitas vezes, esses dois conceitos são confundidos ou usados como sinônimos. Como continuaremos a discutir esses termos, é importante entender como diferenciá-los.
A habilidade motora é uma tarefa aprendida que possui um objetivo específico, sendo uma ação voluntária que envolve o movimento do corpo todo ou de partes dele (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). Exemplos de habilidades motoras incluem andar, correr, saltar, girar, arremessar uma bola, chutar uma bola ou realizar um chute em uma luta. Essas habilidades são numerosas e dependem das capacidades motoras para serem executadas.
Por outro lado, as capacidades motoras são traços estáveis e duradouros, geneticamente definidos, que fundamentam as habilidades motoras. Elas são relativamente poucas em número e incluem a força, a resistência muscular, a flexibilidade, a resistência aeróbica, a potência, a velocidade e a agilidade.
O quadro abaixo ajudará a diferenciar melhor esses conceitos:
HABILIDADE MOTORAS | CAPACIDADES MOTORAS |
Desenvolvida com a prática Modificáveis com a prática Muitas em número Dependem dos diferentes subconjuntos de capacidades | Traços herdados Estáveis e permanentes Poucas em números Embasam a performance de muitas habilidades motoras |
Para que uma pessoa consiga realizar um saque no voleibol, além de aprender a habilidade motora específica do saque, ela precisará desenvolver capacidades motoras como força, potência e velocidade nos membros superiores.
Dada a variedade de habilidades motoras, podemos classificá-las de acordo com diversos critérios: os grupos musculares utilizados, a previsibilidade do ambiente, os aspectos temporais, os aspectos cognitivos e motores, e o propósito do movimento. As classificações são as seguintes:
Tabela 1: Classificação das habilidades motoras.
Critério de classificação | Classificação | Exemplo |
Grupos musculares | Ampla/global/grossa – utilização de grandes grupos musculares | Andar, correr, arremessar, chutar |
Fina – utilização de pequenos grupos musculares | Escrever, pintar uma tela, desenhar no caderno, jogar videogame | |
Previsibilidade do ambiente | Fechada – ambiente previsível | Salto em distância, tacada do golfe, exercícios em academia |
Aberta – ambiente imprevisível | Jogos coletivos, lutas, rebater uma bola arremessada por outra pessoa | |
Aspectos temporais | Discreta – tem começo e fim definidos | Apertar um botão, arremessar uma bola, cobrar um pênalti. |
Seriada – combinação de discretas e contínuas | Bandeja do basquete, ataque no vôlei, bater palmas | |
Contínua – não tem começo e fim definidos | Pedalar, correr, nadar | |
Aspectos cognitivos e motores | Cognitiva – maior utilização da cognição | Jogar xadrez, jogos de tabuleiro |
Motora – maior utilização motora | Arremesso, chute, salto, corrida | |
Aspectos funcionais do movimento (propósito do movimento) | Estabilização – enfatiza o equilíbrio | Sentar, levantar, equilibrar-se em um pé só, andar em uma barra estreita |
Locomoção – deslocamento do corpo de um ponto ao outro | Correr, andar, saltar | |
Manipulação – transmitir força a um objeto ou receber força dele | Arremessar, escrever, chutar |
Uma mesma habilidade pode se encaixar em diversas classificações. Por exemplo, receber uma bola de manchete em uma situação de jogo é uma habilidade motora ampla, aberta, discreta, motora e de manipulação. É ampla porque utiliza grandes grupos musculares; aberta porque o ambiente é imprevisível, já que não se sabe onde a pessoa que está sacando vai jogar a bola; discreta porque tem começo e fim definidos; motora porque depende mais dos aspectos físicos do que cognitivos; e de manipulação porque o objetivo do movimento é dominar a bola de manchete, ou seja, manipulá-la.
O processo de aprendizagem é influenciado pelo ambiente em que a habilidade é aprendida (onde), pela tarefa a ser aprendida (o que) e pelo próprio indivíduo que está aprendendo (quem). Considerando o indivíduo, devemos levar em conta suas diferenças individuais, que o tornam único e afetam sua capacidade de aprendizagem. Além disso, a tarefa motora a ser aprendida, chamada habilidade motora, é fundamentada por capacidades motoras como força, flexibilidade, aptidão cardiorrespiratória e velocidade.
Compreender a classificação das habilidades motoras nos permite elaborar um plano de prática mais eficaz, que leve em consideração aspectos como a temporalidade da ação, a previsibilidade do ambiente, os grupos musculares envolvidos e a utilização cognitiva ou motora.